Há quase quarenta anos da sua descoberta, que aconteceu em 5 de junho de 1981 pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) nos EUA, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida – a famosa AIDS – é considerada uma das maiores epidemias do século XX. Foram muitos desafios nessas quase quatro décadas, e uma das maiores vitórias para o nosso país foi a distribuição gratuita, pelo SUS (Sistema Único de Saúde), de todos os medicamentos antirretrovirais desde 1996. Além disso, desde 2013, o SUS garante tratamento para todas as pessoas vivendo com HIV (PVHIV), independentemente da carga viral.
O problema é que, ainda que o tratamento, hoje em dia, proporciona uma boa qualidade de vida para os pacientes, não é a cura da doença. Ocorre sim, em raros casos, uma baixa tão grande na carga viral que o vírus fica praticamente não identificável no organismo, mas o paciente nunca estará livre do acompanhamento médico e do tratamento constante. Diante de tudo isso, o melhor é impedir que as pessoas se contaminem. As campanhas do Ministério da Saúde para o uso de preservativos são intensas, entretanto, nos últimos anos, temos visto o número de soropositivos aumentar continuamente. Aí, pensamos: e a vacina? Já que existem tantas vacinas para infecções virais, por que não existe uma vacina contra o HIV?
POR QUE É TÃO DIFÍCIL CRIAR UMA VACINA CONTRA O HIV?
Essa pandemia do novo coronavírus tem nos ensinado muitas coisas a respeito da criação de novas vacinas, e quantos passos são necessários para se assegurar de que uma possível candidata seja eficaz e segura para a população. Com o vírus da AIDS é – praticamente – a mesma coisa, mas um pouquinho mais complicado. Isso porque o HIV, o vírus da imunodeficiência humana, afeta, primariamente, as células do sistema imune do organismo. Mais especificamente, os linfócitos T CD4+. Eles são, basicamente, as células responsáveis por regular a resposta imune e a produção de anticorpos.
Daí, nós temos que lembrar de como as vacinas funcionam: na maioria das vezes, dentro de cada uma existem pequenas partes dos microrganismos (seja vírus ou bactéria), ou eles mesmos, porém inativados, que sensibilizam a nossa imunidade para que sejam criados anticorpos específicos contra a doença. Então, quando entrarmos em contato com o microrganismo, nossas defesas já estarão alertas e o destruirão sem que fiquemos doentes, ou com sintomas graves. Se o HIV tem a preferência por infectar – e destruir – as células de defesa, fica difícil criar uma vacina eficiente. Também não podemos deixar de mencionar o problema da diversidade viral (mutações), que dificulta ainda mais a criação de uma única vacina que possa nos proteger do HIV e todas as suas variações.
MAS JÁ EXISTE ALGUMA EM UM ESTUDO PROMISSOR?
SIM! Os virologistas costumam dizer que os cientistas que trabalham com HIV são “ricos”, isso porque, felizmente, existe um grande investimento financeiro para as pesquisas por uma vacina contra esse vírus. Até hoje, são estudadas diferentes abordagens para a vacinação contra o HIV, no entanto, atualmente, o que parece ser promissora é a chamada “Vacina Mosaico”.
Essa vacina experimental tem como alvo mais cepas do vírus do que qualquer outra desenvolvida até agora, ela incorpora material genético de cepas de HIV de todo o mundo, e também parece ter os efeitos mais duradouros de qualquer outra testada em pessoas¹. Aparentemente, esse “mix” de cepas usado nessa vacina especificamente tem melhores resultados na resposta imunológica dos pacientes. Os testes preliminares em grupos menores de pessoas foram muito positivos na produção de anticorpos contra o vírus. O ensaio de fase III testará a vacina em indivíduos transgêneros e em homens que fazem sexo com homens nas Américas e na Europa. Esses grupos são os mais afetados pela AIDS, e essa terceira fase engloba um número muito maior de pessoas.
A próxima fase de estudo da Mosaico envolve 3.800 participantes em 8 países, incluindo Argentina, Itália, México, Polônia e Estados Unidos. Metade dos participantes receberá quatro injeções de vacina ao longo de um ano, e a outra metade receberá um placebo.
E COMO ESSA VACINA É FEITA?
De acordo com os cientistas, as vacinas contêm um vírus do resfriado comum desativado que carrega versões sintéticas de três genes do HIV. Os pesquisadores construíram os genes com base em sequências de cepas de HIV encontradas em várias regiões do mundo. Além disso, a Mosaico também carrega duas proteínas sintéticas geneticamente construídas com base em proteínas produzidas por cepas de HIV comuns na África, nas Américas, na Europa e na Australásia. Os idealizadores do projeto defendem que esse “reforço de proteína” é o que torna esta vacina verdadeiramente global. Espera-se que, por agora, a vacina ajude a proteger pelo menos 65% dos participantes do estudo.
É preciso levar em consideração inúmeros outros fatores que só poderão ser contornados a partir dos testes em pessoas. Os resultados dessa fase sairão – provavelmente – em 2023, e, com certeza, os pesquisadores terão algumas outras arestas para contornar até lá. Mas, de acordo com a comunidade científica, usar a tecnologia atual da engenharia genética para a criação de vacinas mosaico é um excelente método, que poderá ser replicado em outros vírus futuramente.
Ficou com alguma dúvida? Entre em contato! Não se esqueça de estar com as suas vacinas em dia. Conte com a gente para proteger você e a sua família!
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Fontes:
¹ Barouch, Dan H et al., Lancet, “Evaluation of a mosaic HIV-1 vaccine in a multicentre, randomised, double-blind, placebo-controlled, phase 1/2a clinical trial (APPROACH) and in rhesus monkeys (NHP 13-19).” Disponível em: DOI: 10.1016/S0140-6736(18)31364-3
² Emiliano Rodríguez Mega, NEWS Nature, “‘Mosaic’ HIV vaccine to be tested in thousands of people across the world”. Disponível em: DOI: 10.1038/d41586-019-02319-8
³ Keith Alcorn, NAM AIDS Map, “The search for an HIV prevention vaccine”. Disponível em: https://www.aidsmap.com/about-hiv/search-hiv-prevention-vaccine
